6 de fevereiro de 2013

Um modelo inovador de produção de leite e gestão


Ascom Senar-PB
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Como produzir cerca de 17.000 litros diários, sem nenhum trator e com quatro funcionários diretos?
Quem dá a receita é o produtor Luiz Prata Girão, de Limoeiro do Norte, no Ceará, cuja propriedade fica na Chapada do Apodi, uma formação montanhosa entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, de 150 metros de altitude, praticamente plana (declividade média de menos de 2%), com solos de alta fertilidade, clima semi-árido tropical, com precipitação média de 772 mm anuais, alta insolação e temperatura média de 28,5 °C – clima ideal para o crescimento de forrageiras tropicais. Na Chapada (fotos abaixo), os pivôs de pasto disputam espaço com pivôs utilizados em fruticultura intensiva, como banana e mamão para exportação.
 Utilizando um modelo contratual semelhante ao sharemilker neozelandês (com parceiros que trabalham na propriedade e recebem uma porcentagem do lucro em troca do trabalho) e um sistema de produção basicamente utilizando pasto irrigado e rebanho mestiço, Girão, cuja família possui a Betânia, principal laticínio do Ceará, consegue produzir leite com custo operacional de R$ 0,53/litro (dados de janeiro), algo inimaginável para quem precisa suplementar com grandes quantidades de ração concentrada, em tempos de milho e soja nas alturas.
O MilkPoint esteve visitando a propriedade que será um dos cases de sucesso apresentados na décima segunda edição do Interleite Brasil, a ser realizada em Uberlândia entre 11 e 13 de setembro próximos (em tempo: garanta sua inscrição com desconto clicando aqui!).
Como a Fazenda Flor da Serra obtem esse resultado expressivo?
Sistema de produção
O segredo começa no sistema de produção, em que as vacas pastejam os capins tifton (principalmente), tanzânia e crioulo, recebendo como complemento 1 kg de ração para 3,0 kg de leite, chegando a 4 kg em alguns momentos. O objetivo é reduzir ao máximo a suplementação e o custo dela – com a melhoria do manejo de pastagens. O teor de proteína bruta da ração foi reduzido de 22% para 17%, resultando em economia de custos.
A fazenda conta com 4 pivôs de 50 hectares cada, além de 1 pivô com a recria e mais 3 pivôs que atualmente estão arrendados para a produção de grãos, que eventualmente podem ser transformados em pasto. O ciclo médio da pastagem é de 20 dias, com adubação de 500 kg de nitrogênio por hectare/ano, divididos e distribuídos via pivô (MAP e Sulfato de amônio também são utilizados – a adubação potássica não tem sido necessária).
Pivô
A suplementação com silagem de milho é feita no inverno (comprada de terceiros) – de março a maio em anos normais, quando as chuvas tornam o pastejo muito complicado no tipo de solo argiloso da propriedade. Nesse período, o capim pode ser roçado. A meta do sistema é operar com 8.500 kg de leite/dia em 50 hectares, o que daria 170 kg de leite/ha/dia ou 62.050 kg/ano, sem contar a área de criação de novilhas e da silagem terceirizada. Hoje, o valor é a metade deste, o que já significa uma produtividade muitas vezes superior à média nacional e superior ao que conseguem os melhores produtores em clima temperado.
O rebanho é prioritariamente Girolando ¾, com cruzamentos com Holandês frisio e Jersey, apesar do porte pequeno deste cruzamento não ser tão valorizado na região. As vacas produzem em média 14 a 15 kg/dia, com um dos pivôs atingindo 17-18 kg. A fazenda possui intervalo entre partos de 13,2 meses.
O controle de custos e índices zootécnicos é intenso, afinal toda a lógica econômica da parceria depende da exatidão dos números. 
Parceria
Girão teve contato com o sistema neozelandês, em que um funcionário promissor e com interesse em ter seu próprio negócio em produção de leite trabalha na propriedade e recebe parte dos lucros, eventualmente podendo comprar animais e ter seu próprio rebanho.
Equipe técnica da fazenda
Analisando a viabilidade de ter algo parecido, ele criou um modelo adaptado: cada pivô é gerenciado por um técnico, que possui uma empresa que contrata os funcionários que atuarão no manejo (a meta é trabalhar com 1.000 litros/homem/dia). Assim, o proprietário da fazenda tem na realidade 4 sócios na atividade, que serão os responsáveis pela administração e por todas as atividades do rebanho, exceto criação de bezerras – Girão procura ainda um modelo para que um parceiro possa também se incumbir dessa atividade.
Todo o investimento em custos fixos é feito por Girão, como instalações. O parceiro recebe 20% do lucro operacional da atividade, isto é, da receita menos os custos operacionais – pagos pelo parceiro, mas contabilizados no cálculo do lucro operacional. O restante fica com o capitalista – o proprietário da fazenda Flor da Serra.
Para a reposição do rebanho para os parceiros, à medida que vacas são secas ou descartadas, Girão criou um engenhoso mecanismo: um fundo de reposição para cada rebanho, que é capitalizado com a retenção de 10% do saldo líquido mensal, até que chegue a R$ 100 mil, e que permite que a qualquer momento os parceiros possam ter acesso aos animais do banco de genética da fazenda. Cada bezerra nascida é creditada a R$ 300 (os machos valem R$ 40); vacas mortas são contabilizadas valendo R$ 2.500; vacas vendidas por exemplo a R$ 2000 entram como débito de R$ 500 no fundo; sêmen e nitrogênio entram também como débito do parceiro.
Uma vantagem do sistema é o fato de ter 4 fazendas dentro de uma só. Assim, uma nova tecnologia é inicialmente testada em um pivô antes de ser incorporada pelos outros – normalmente no pivô do zootecnista Alexssandro Borba Guerreiro, o Alex, que por ser mais experiente acaba exercendo certa liderança no processo. É assim, por exemplo, com o bST, que foi introduzido recentemente no rebanho. Também, com 4 fazendas dentro da mesma fazenda, é possível comparar os resultados, estimulando a competição e, com isso, a evolução por parte de quem está atrás.
Aliás, o sistema meritrocrático é uma característica muito bem explorada pelo proprietário. Ganha mais quem tiver melhores resultados. O parceiro tem autonomia operacional e é diretamente responsável por aquilo que entrega, ganhando por isso. Girão vê inclusive com bons olhos se, em dado momento, seus parceiros conseguirem investir em sua própria produção. É uma fábrica de empreendedores do leite, de certa forma.
Outra característica é a busca por informação. Girão tem participado de eventos e viagens em busca de soluções interessantes, muitas vezes com a participação de seus parceiros. O sistema de criação de bezerras, por exemplo, foi feito a partir de um modelo visto na Argentina, sem contar o próprio sistema de parceria, aprendido em uma palestra de um produtor neozelandês, em um dos Interleites.
Potencial de melhoria
É inegável o sucesso do modelo, mas os próprios parceiros reconhecem que o sistema está longe ainda do seu ótimo técnico e econômico. Se considerarmos que a remuneração do gerente não está colocada nos custos operacionais e que o capital fixo também não está, é possível que o custo real seja de cerca de R$ 0,60-R$ 0,65/litro, um valor mais alto mas ainda assim bastante atrativo.
A redução desse valor poderia vir de um melhor manejo de pastagens, da apuração genética, da redução da idade ao primeiro parto (hoje, são 1008 vacas em lactação e 3.500 animais no total) e também, eventualmente, do melhor conforto para bezerras, novilhas e vacas em lactação. O descarte ainda é elevado: 25-30% ao ano, fruto da necessidade de melhoria da genética, sendo esse atualmente um dos custos que estão acima do que se poderia obter em uma situação de estabilidade. O objetivo é que a produção média anual em toda a propriedade seja de 18 kg/dia, um aumento de 10-15% sobre o valor atual.
No quesito conforto, a fazenda lida com um dilema: animais que não toleram as condições naturais da região e o manejo adotado não servem para o rebanho. Porém, fica a dúvida: será que com essa seleção rígida não são perdidos animais de melhor qualidade que, com um pouco mais de conforto, seriam altamente rentáveis para a atividade? É uma questão interessante, típica de quem está na fronteira do pioneirismo, em uma região sem tradição na atividade. Certamente irão descobrir.
Aumentando a produção por área e por vaca, a fazenda acredita ser possível atingir R$ 0,43/litro de custo operacional, o que daria um resultado operacional de R$ 50.000 a cada 16 dias em cada pivô. Números que permitem alta remuneração do capital investido e atração de bons profissionais para a atividade.
Saiba mais sobre a Fazenda Flor da Serra participando do Interleite Brasil 2012. Sua palestra será no dia 13 de setembro, as 14 horas. Em um momento de preços patinando e custos em elevação, conhecer novas possibilidades de produção e de concepção do negócio podem representar um divisor de águas. Além disso, é sempre bom ver um exemplo de inovação e empreendedorismo no setor!

Fonte: Equipe MilkPoint.